Biblioteca do Daniel

Para trás


3

  A auto-confiança já era. Não se vendem garotas em feira livre. Passei a tarde inteira juntando coragem para tomar uma iniciativa, e lá para as dez horas passei a mão nos cabelos da Dani.

-- Eu não gosto que passem a mão no meu cabelo!

-- Tá bom, tá bom!

Enfim uma resposta direta. Dani passa à categoria de mulher desejada.

 

  Estou dançando com a Luciana. Olho pra cima e lá estão o Luís e a Dani, numa varanda, olhando pra gente. Assim não rola!

(Tem que rolar, tem que rolar...) Me aproximo da Luciana. Ela recua. Eu emendo uma coreografia.

 

  É verdade que eu acho a Dani, ou a amiga dela, que está conversando com o Décio, ou a amiga da amiga, ou até a Ana Paula, que não consegue parar de rir, mais interessantes do que a Luciana. Mas e daí?

 

  Ligo para a Patrícia. "Estamos indo ver o Carmina Burana na praia." Ela e o noivo. Mas também uma amiga, ok, vamos ver se ela é legal. "Todos os homens que eu já conheci foram cafajestes". Derramei o molho na toalha da mãe dela. "Daniel, até agora você estava em fase de testes. Depois do que fez, saiba que você foi reprovado." Eu, hein?

 

  Dani liga enfurecida, "Eu quero saber se é verdade que você disse para o João que era a vez dele tentar algo comigo!" Ele tinha me dito que achava a Dani interessante, e eu disse que não havia conseguido nada com ela. Portanto, não ficaria magoado pelo João tentar algo com a Dani, embora ainda gostasse dela. Dani se explica, diz que não está numa fase boa. Eu deixo claro que sou apaixonado por ela. Dani passa à categoria de melhor amiga.

 

  Estou no na praia do Arpoador, e de repente ouço o tema dos Trapalhões, em versão barulhenta, ecoando na areia. É lindo. Descubro que a banda de um amigo, e várias outras bandas de barulho, vão tocar à noite.

É noite, e eu estou absolutamente visualizado, falando com todo mundo que reconheço, e me sentindo em casa. Há uma punk agitando no meio da massa de adolescentes raivosos. Quando vem o intervalo entre uma banda e outra, falo com ela.

-- Pô, legal você agitando junto dos meninos. É raro ver uma garota no meio da porrada.

-- ???

Silêncio. Diz ela, olhando para a minha camisa:

-- Você ouve Big Black?

-- Adoro Big Black. Você também gosta?

-- Ouço tudo que é techno.

-- Techno? Que banda? Começou o barulho de novo. Não consegui escutar mais nada que ela dizia. Sugeri que nós fôssemos para um lugar onde fosse possível conversar, mas ela me deixou e foi para o seu grupo.

 

  Eu tinha passado o show inteiro juntando coragem para falar com ela.

 

  Amanheci atirado no chão ouvindo Diamanda Galás. "When any man hath an issue out of his flesh, because of his issue he is unclean. Every bed where he lie, it is unclean, and everything where he sitted, unclean. And who so ever touch the bed shall be unclean. And he that sitted where he sat, shall be unclean. And he that touches the flesh of the unclean becomes unclean. Becomes unclean!!! AAAAAHHHH!!!"

 

  É um pesadelo.

 

  Olhei no espelho. A terapeuta pediu para que eu descrevesse a imagem refletida, como se fosse outra pessoa. Ele está sujo há dias, o cabelo não é penteado há dias, e ele não troca a roupa nem faz a barba há dias. Ele está escondido atrás da barba. Parece que está acuado. "Você gostaria de ajudá-lo?" Me dê uma chance e eu encho ele de porrada. Eu o odeio. Ele está acuado, mas se alguém se aproximar, ele morde. É um imbecil. Eu o odeio.

 

  "There are no more tickets to the funeral"

 

  Fui à praia. Deitei na areia. Chorei amargamente.

(continua)

Sobe

Esquerda Para Frente (continua) Direita

Desce