Fuga de Soroca

 

O som do fonograma torna tudo aqui mais sujo. Parece que cada nota é um tanque passando por cima de tudo que me é mais caro. Preciso me distrair dessa opressão.

As notas pueris do fonograma parecem me dizer que tudo que me é mais caro é falso, é cinismo. Parecem dizer que amor só existe na forma mais baixa e desrespeitosa, sob um manto de pseudo-sentimento hipócrita. E isso está me deixando doente.

Não há nada mais essencial para a minha vida agora do que qualquer quantidade de carinho. O fonograma parece se escarnecer disso, e liquidar qualquer esperança. Mas não vou deixar ele vencer.

O peso de três homens me impede de levantar, mas eu me levanto. Há mais homens me detendo, então fico em pé, disfarçando o papel ridículo de ficar indeciso dentro de um prostíbulo. Bebo. Bebo mais. Não é para me embriagar. É apenas para ser discreto. Me sentar agora também seria a derrota. Ah, vai qualquer uma, já foi um erro mesmo ter vindo aqui...

Empurro o ar até a mulher, e indico-lhe a saída. Sigo-a. Quase mudo de idéia antes de atravessar a porta do quarto. Ela tranca. Se despe e se estende na cama.

Piso no cigarro, me dispo. Ai, não. Estou em pé ainda. Antes de me despir, eu ainda tinha chance de estar excitado. Agora, não. Penso: "Ela amanhã vai estar morta, não preciso pensar nela como um ser humano... Posso partí-la ao meio, que ninguém se importa."

Ah, vai de qualquer maneira. Me jogo na cama, me esfrego como um animal no corpo dela, tentando me excitar (quem sabe ela entra no clima também). Se eu começar a ser violento, talvez fique de pau duro. Mas se não ficar, não vou poder mudar de tática depois. Comecei a fazer coisas para excitá-la.

Ela parece uma boneca de plástico, sem vida.

Tive um acesso de choro. Me encostei no espaldar, abraçado a ela como a um ursinho de pelúcia, chorando copiosamente. Enchi-a de beijos. É horrível a impotência diante da morte. Você passa horas tentando ressucitar um corpo morto, como se a persistência pudesse salvá-lo. E então o silêncio.

Abracei-a forte, querendo morrer com ela.

 

Quase adormeci. Descansar alivia. Ainda mais assim, junto da mulher amada. E então um soldado qualquer bate à porta "Ei, como é que é? Tem mais gente aqui esperando a sua vez!" NÃO! Eu não quero deixá-la aqui! Ela é minha...

Saquei a arma. Estava disposto a morrer para salvar ela. Mas que bobagem. Em dois segundos fuzilam eu e ela, aqui mesmo, abraçados. Não é isso que eu quero. Não há vitória. Guardei a arma. Me vesti, e fui insultado por toda a turma que ia ensinar à puta a não demorar com um cliente só.

 

Cinqüenta homens me impediam de ir embora. Então fiquei parado, à frente da casa, pensando no que iria fazer. Esquece isso, vai embora! Foi isso que fiz.

Saída?