25-5-98

 

Só no mundo.

 

Me sinto só no mundo.

 

O amor eu conheci, mas o perdi.

 

Eu tinha uma coisa preciosa, e a joguei como fruta podre

 

Meu único alimento

 

Agora, no deserto, passo frio e calor

 

Mas por mais que eu beba, a sede não passa

 

Venta, pára. Nada muda.

 

Nunca nada.

 

Nem miragem.

 

Só a certeza de que eu estou só, o assassino de mim mesmo

 

Nem penso em me matar, porque isso eu já fiz

 

Só estou curtindo o vazio

 

Pisei na bola.

 

Agora só resta viver o resto da minha vida

 

Sabendo o que me espera

 

Trabalho

 

Sol

 

Chuva

 

Sono

 

Fome

 

Mijar, cagar, transar, transpirar, cortar as unhas e os cabelos

 

Comprar roupas, CDs, botar gasolina no tanque

 

Entregar o trabalho, publicar, dar aulas

 

Beber e parar de beber, fumar e parar de fumar, em intervalos mais ou menos esporádicos

 

Rir, chorar,

 

(Talvez não chorar mais)

 

nunca mais perder a paciência, nem ficar com medo

 

(pra que o medo se o futuro é a morte)

 

Controlar o desejo de comer a mulher do próximo

 

Forçar o desejo de comer a própria mulher

 

Se arrepender disso

 

Se arrepender por ter deixado de dar carinho a quem se gosta

 

Se arrepender por desprezar quem gosta da gente

 

Desprezar quem gosta da gente

 

Não gostar de si mesmo.

 

Vagar (ou não).

 

Fazer coisas que fazem mal (ou bem) à saúde

 

Se preocupar (ou não) com a saúde

 

Tomar todas, fumar, cheirar, se picar, e não sentir nenhum efeito

 

Não fazer nada disso por achar a situação ridícula

 

Não contar pra ninguém

 

Contar, e ninguém achar sério

 

Contar, e não achar sério

 

Encontrar com ela, e não achar sério

 

Transar com ela, e não ter graça

 

Beijá-la sem vontade

 

Não ter assunto

 

Se achar chato

 

Achá-la chata

 

Feia

 

Burra

 

Achá-la ao mesmo tempo puta como sua mulher e santa como a mulher do outro

 

Se sentir menos homem ao encontrá-la

 

Se sentir menos homem ao encontrar os amigos

 

Se sentir menos homem ao encontrar qualquer mulher

 

Se sentir menos homem em qualquer situação

 

Ponderar sobre a outra opção

 

Se sentir sem coragem pra virar viado

 

Desistir da outra opção

 

É por aí.

 

Talvez algum dia

 

Dê uma cagada imensa

 

Eu me sinta aberto

 

Em paz

 

E alguém se sinta curiosa

 

E venha ver o que está acontecendo aqui

 

Não vai estar acontecendo nada

 

Mas ela vai ter onde se deitar

 

E quem passe a mão nos seus cabelos

 

Enquanto dorme

 

E aí, se ela quiser, poderá ficar

 

O tempo que achar necessário

 

Caso se sinta em casa.

 

Ainda há espaço para uma história ser contada.

 

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