[INCLUDE TH/blog.blogme]
[SETFAVICON IMAGES/rrj.png]
[# (find-angg "TH/speedbar.blogme")
#]
[lua: def [[ br 1 _ "
" ]]
]
[htmlize [J Rape Recovery Journal]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Sábado 30/dec/2006]
[# (Acho que eu comecei a escrever isso no sábado 23/dez) #]
[P [Q Andou acontecendo de novo. Agora está mais fraco, mas durante
mais ou menos uma semana foi bem forte. Eu começava a pensar em como
seria o meu próximo trabalho careta e logo me vinham as imagens dos
dois sociopatas do grupo de programadores em C -]]
[P [Q "Sociopatas" ou "engenheiros"? Não sei - quando eu era criança e
eu descobri a palavra "sociopata" eu pensei "uau, é isso que eu quero
ser quando eu crescer" - e todos os estudantes de engenharia que eu
conheci eram que nem aquele Raphael do grupo de C, ou pelo menos meio
que nem ele - o outro sociopata em nunca cheguei a conhecer direito e
nunca soube o nome dele, mas em teoria eu teria que trabalhar junto
com ele também...]]
[P [Q Foi ouvindo as histórias deles que eu entendi porque as boates
hetero - em que eu nunca vou - cobram tão caro a entrada: é porque de
vez em quando caras como esses vão lá e quebram tudo. E depois eles
ficam contando as histórias e rindo, rindo - " Aí, mermão! Aí,
mermão!"]]
[NARROW
[P and he had a job
[BR] and he brought home the bacon so
[BR] no one knew
[BR]
[BR] he was a mongoloid, mongoloid
[BR] happier than you and me
]]
[P [Q E uma das coisas que mais dóem é pensar que um cara desses é um
[#] ótimo profissional, muito melhor que eu (aspas em algum lugar -
onde?) - o chefe manda fazer alguma coisa e o cara faz; não importa se
fica mal-feito ou ilegível, ele faz. E todo mundo reconhece quanto
esforço é necessário pra se fazer um programa ilegível de 5000 linhas
como os dele, e pra ele fazer remendos no programa depois; pouca gente
reconhece o esforço necessário pra um hippie como eu fazer um programa
de 500 linhas, limpo e legível, que resolve o mesmo problema que o do
cara... ah, o meu é bem mais fácil de consertar e de estender que o do
cara, mes eu levo o mesmo tempo pra ter uma primeira versão rodando
que ele, e eu só consigo ter pique pra fazer o que eu faço porque ao
invés de eu passar os meus horários de almoço puxando a cara num
sorriso, comendo uma gosma qualquer e falando sobre carros e bundas de
mulheres eu passava os meus horários de almoço sozinho, indo em algum
dos pouquíssimos lugares daquela merda de Barra da Tijuca que tinha
opções vegetarianas, e lendo Jean Genet ou Virginia Woolf.]]
[P [Q Uma vez eu pedi pra esse Raphael pra ele converter pra um certo
formato uns documentos on-line que a gente tinha sobre um projeto que
ia ficar sob minha responsabilidade; os originais estavam num formato
que só podia ser lido direito em Windows ("aí, mermão, pra mim esse
negócio de Software Livre é babaquice, isso não devia existir, eu não
dou de graça os programas que eu faço de jeito nenhum, esse negócio de
compartilhar é coisa de viado, e esse pessoal devia parar com essas
frescuras de ficar usando sistemas diferentes e fazer tudo em Windows
de uma vez") - aí eu fui tentar mostrar pra ele como é que eu usava
esse outro formato e ele não quis ir ver no meu computador de jeito
nenhum ("não preciso ver, eu conheço esse formato"), e eu tive que
tentar fazer ele levantar puxando ele pelo crachá - lá os crachás
ficam numas cordinhas no pescoço da gente - mas ele não quis levantar,
acho que eu devia ter torcido mais (que será que teria acontecido se
eu tivesse apertado até ele mudar de cor? Nananana, Raphael, sorria, é
brincadeira, pára de frescura, claro que você está gostando, sorria -
cada um tem um jeito de brincar, cadê o sorriso? Vem cá, baby) - mas
parece que mesmo o pouquinho que eu fiz já pegou meio mal. Bom,
whatever - não me arrependo.]]
[br]
[P [Q Desde que eu tenho 14 ou 15 anos que eu não apanho por ser
esquisitão ou por os caras acharem que eu sou viado - mas é como se
isso fosse uma possibilidade permanente.]]
[P [Q Sexofóbicos não apanham. São chamados de malucos, excluídos,
discriminados, descartados - e só. Não é preciso empurrá-los pra baixo
na hierarquia (como a gente empurra alguém pra baixo da água numa
piscina) - eles já estão fora da hierarquia de qualquer modo.]]
[P [Q Essa macheza desses Raphaéis é social - eles estão o tempo todo
fazendo coisas para serem aceitos pelas pessoas do grupo deles, que
pra eles é como se fosse o único grupo que existe e que importa. O
"aí, mermão"; o "isso é coisa de viado" - o que acontece se há alguma
reviravolta e eles passam a ser considerados viados, ou malucos
(mesmo, de hospício), ou losers? É algo inconcebível pra eles - é uma
espécie de morte -]]
[P [Q O grupo deles massacra viados e nerdzinhos frágeis - "gente
inferior".]]
[P [Q Eu não sou um nerdzinho frágil - eu caí fora desses grupos há
muito tempo - eu morri - e doeu, muito (it's an open wound that never
heals, etc).]]
[P [Q Algumas das minhas referências: junkies de psicodélicos, xamãs
mendigos, Lobo Solitário, Sandman, terroristas suicidas -]]
[P [Q Das vezes em que eu esganei alguém nos últimos anos era sempre
eu sozinho contra a pessoa que eu esganava. Eu não contava com ninguém
do meu lado, mas eu prestava atenção a todas as pessoas em torno, eu
estabelecia uma comunicação com elas, e aí elas não me atacavam em
grupo como se eu fosse o invasor, o "ele" (versus o "nós") - elas não
conseguiam me transformar num "ele", numa coisa -]]
[# P [Q Das vezes em que eu esganei alguém nos últimos anos era
sempre eu sozinho contra a pessoa que eu esganava, mas eu
estabelecia uma comunicação como todo mundo em torno, e essas outras
pessoas dificilmente me atacariam em grupo como se eu fosse o
invasor, o "ele" (versus o "nós") -]]
[P [Q Os homens - os Raphaéis, mas esses é que são os homens homens de
verdade - formam máfias - eles acobertam as escrotices e burrices uns
dos outros - esse Raphael, por exemplo, trai a mulher pra cacete -]]
[P [Q Covardes]]
[br]
[P [Q Quando passaram "O Triunfo da Vontade" da Leni Riefenstahl e eu
vi aquelas cenas da Convenção de Nuremberg, centenas de milhares de
jovens em formação perfeita ouvindo os discursos de Hitler, aí é que
eu entendi direito como deve ser bom pra caralho fazer parte de um
grupo, ou melhor, do "todo mundo" - mas eu nunca consegui. Por um lado
eu tentava, e sempre dava errado; faltava algum clic, faltava a
naturalidade que aqueles caras tinham - volta e meia alguma coisa me
puxava pra fora da situação em que eu estava,] [IT zuuuuuum,] [Q e num
instante eu passava a ser um observador, e eu estranhava aquela
situação e aqueles papéis, como é que aquelas pessoas podiam ter tanta
convicção daquilo? Aquilo era raso e falso, como histórias escritas
por idiotas, como música ruim - e aí eles percebiam o meu
estranhamento e me estranhavam também -]]
[P [Q Por outro lado, quando era criança a coisa que eu tinha mais
medo era quando eu crescesse eu virar uma pessoa medíocre (é, com
esses termos mesmo - depois é que eu passei a usar outros). Quase
todas as pessoas em torno de mim eram "medíocres", e eu os via como
mortos-vivos.]]
[P [Q (Acho que se eu fosse uma criança feliz eu não pensaria desse
modo. Mas eu achava que a única coisa que compensaria a vida que eu
levava, e que faria tudo valer a pena, seria algo muito especial no
futuro).]]
[P [Q Aos 17 anos, depois de uma tentativa de suicídio frustrada, eu
me arrastava. O único futuro que eu via pra mim era eu virar um
vegetal num manicômio. Continuo achando um absurdo terem me mantido
vivo; quem chega a um ponto como o em que eu estava não se recupera.
Os deuses ainda vão me pagar por tudo isso - mas isso é outro
assunto.]]
[P [Q Eu tomei precauções pra que eu não pudesse virar um dos
"medíocres", um dos mortos-vivos. Eu criei anticorpos. Eu queimei as
pontes.]]
[# [NARROW
[P Sister - Congratulate me!
[BR] NO I CAN'T YOU'RE TOO LOUD -
[BR] GRANDMA LOVE ME
[BR] NO I DON'T KNOW HOW TO LOVE
[BR] SOMEONE LIKE YOU
[BR]
[BR] Sometimes the
[R http://www.creativetime.org/citywide/past_proj/finley.html
Black Sheep] is a soothsayer,
[BR] a psychic, a magician of sorts -
[BR] Black Sheep see the invisible
[BR] We know each others thoughts
[BR] We feel fear and hatred
]]
#]
[br]
[P [Q Alguns dos meus amigos matemáticos na faculdade tinham amigos
estudantes de engenharia; eu não entendia como.]]
[P [Q Se a gente vê um bicho que come grama e outro que come pequenos
roedores a gente diz: são espécies diferentes. Eu olhava pros
estudantes de engenharia e pensava: eu não consigo nem entender como é
que alguém gosta das coisas que esses caras gostam, não consigo nem me
pôr no lugar deles. A bioquímica emocional deles é o oposto da
minha.]]
[P [Q Eles gostavam de poder, coisas, mentiras, diversão, cerveja,
galinhagem, trophy girls, de se sacanearem mutuamente, de tiraram
onda, de serem espertos, de competirem, e de pisarem em losers.]]
[br]
[P [Q Então: andou acontecendo de novo. Durante uma semana as imagens
ficaram me vindo dezenas de vezes por dia - por exemplo, eu cortando
as falanges da ponta dos dedos da mão do Raphael com um alicatão
("sorria, Raphael, sorria") -]]
[P [Q Quase todos os homens são meus inimigos.]]
[P [Q Era pra eu sentir alívio por eu não ser como eles - mas é mais
fácil a gente se lembrar das coisas que incomodam, e da mesma forma
que eu às vezes sou atacado por esses surtos de crueldade (que, óbvio,
ficam só dentro da minha cabeça, como uma bad trip), eu às vezes sou
atacado por crises de inveja e raiva - eu sei que eu não teria como
ser como eles, mas eu fico olhando pra essas pessoas "normais" como um
garoto diabético olhando pros outros garotos tomando sorvete.]]
[br]
[P [Q Acho que esses flashes de crueldade - e mil outras coisas que eu
detesto - têm a ver com hormônios.]]
[P [Q (Aliás eu comecei a ficar vegetariano - em 2001 - pra tentar
controlar essas crises. Funcionou bastante, mas isso é outra
história).]]
[P [Q Há anos que eu penso em experimentar Androcur pra ver o que
acontece - mas eu queria experimentar o Androcur sem tomar
antidepressivos junto, e dizem que aí o efeito pode ser devastador, e
eu ainda não tenho estrutura pra isso. Estou há anos sempre deixando
isso pra depois, e me preparando mais e mais.]]
[P [Q Se funcionasse eu poderia consolidar o efeito com uma
orquiectomia... eu teria que ficar tomando doses pequenas de hormônios
de tempos em tempos pra não ficar totalmente sem hormônios, e eu odeio
alopatia, mas seria um pequeno preço a se pagar. E aí depois da
orquiectomia eu poderia conseguir uma penectomia...]]
[P [Q Mas essas coisas me fechariam portas para trabalhos caretas, e
eu já tive um pouco de acesso a caminhos mais sutis pra equilibrar
essa bagunça toda. Nada disso tudo pode ser feito apressadamente - mas
se os pensamentos ficam vindo é melhor lidar com eles do modo mais
honesto possível.]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Sexta 24/nov/2006]
[P [Q São Paulo, 18/nov/2006: de repente eu descobri que todas as
outras quatro pessoas na mesa comigo - pessoas envolvidas com Software
Livre, mas paulistas - eram ferrenhamente anti-Lula, e elas falavam
como se qualquer pessoa minimamente razoável fosse ser anti-Lula
também.]]
[P [Q Aí eu confessei timidamente que eu votei no Lula duas vezes, que
eu gosto dele, que eu acho que ele fez um governo centenas de vezes
melhor do que eu achei que seria possível fazer, que ele pegou um país
destruído, que pela estrutura do governo qualquer um que chegasse à
posição dele se corromperia bem mais do que ele se corrompeu, que eu
achava que ele seria destruído pela mídia em poucos meses e isso não
aconteceu, etc...]]
[P [Q (Marta: eu me lembro daquela época em que o "A Sociedade do
Espetáculo" sempre pipocava nas nossas conversas, e aos poucos o livro
começou a ser citado em artigos em jornais, e nós ficávamos revoltados
porque os artigos sempre eram escritos por gente com uma compreensão
do livro infinitamente mais superficial que a nossa...)]]
[P [Q As pessoas na mesa falaram que governos e empresas eram
igualmente corruptos e daninhos mas que as empresas funcionavam
melhor, que a telefonia antes e depois, etc -]]
[P [Q Acontece que eu não quero saber se celular vai funcionar melhor
ou pior, se carro isso ou aquilo, o que me importa é se os meus
sobrinhos vão conseguir estudar direito em colégios públicos, o quanto
as pessoas em torno de mim vão ter que pagar em planos de saúde, o que
elas podem conseguir depois de horas nas filas do INPS, e me importa
saber como é a vida das pessoas das favelas, com quem afinal a gente
aqui no Rio convive tanto... fodam-se os fucking winners e seus
celulares (se bem que todo mundo tem celular hoje em dia), o que me
importa é o próximo assalto, e que tantas pessoas estão deprimidas e
sem saída, umas estão tomando bolinhas, outras não, e que a Marta se
matou em novembro de 2004.]]
[P [Q (Em sonhos nós éramos como os amigos do Guy Débord, terroristas
que iam sendo inexoravelmente localizados e abatidos quase sem
estardalhaço. Mas nosso interesse por macropolítica era quase zero, já
que macropolítica é feita quase só de vícios de pensamento e de ruído,
então na vida real nós eramos só aqueles malucos incompetentes vivendo
nas bordas da sociedade, deixados pra morrer por si sós.)]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Quinta 23/nov/2006]
[P [Q Eu não deixaria qualquer um me furar, eu não transaria com
qualquer pessoa, e são pouquíssimas as pessoas que eu gostaria de ter
ao meu lado se a gente comesse bolo de maconha ou tomasse um ácido
(nossa, há quanto tempo eu não faço nenhuma dessas coisas - muitos
meses, alguns anos, dez anos)]]
[P [Q É fácil usar o safeword e dizer "pára, não põe mais uma agulha".
Drogas são muito mais sérias - uma vez que a gente tomou, tenham
batido ou não, não dá pra reverter até tudo passar - mas as poucas
pessoas que interessam sabem disso muito bem.]]
[P [Q Onde é que estão as pessoas pra quem a gente pode dizer "essa
história de sexo não está funcionando, vamos tentar usar a energia pra
outras coisas"?]]
[P [Q Eu estou tentando me livrar de um "fantasma": uma cena que se
repete - que eu me envolvo com alguém e daqui a pouco essa pessoa me
massacra ou me troca por outra, porque pra ela sexo é uma coisa física
e simples e boa e pra mim não é -]]
[P [Q Eu fico sem saber se eu devo tentar esquecer isso e tirar a
energia desse pensamento ou se eu devo pensar mais sobre isso até
conseguir definir mais ou menos bem com palavras como essas coisas são
pra mim.]]
[P [Q No Canadá eu podia dormir com meus amigos e amigas (com amigos é
mais difícil; só quase aconteceu, mas não chegou a acontecer mesmo),
mas aqui as coisas são diferentes... Uma vez uma amiga minha daqui me
disse uma coisa que me deixou horrorizado: essa amiga minha, A, estava
namorando B mas brigou com ele; aí ela saiu com C e B ficou com muito
ciúme. Como assim, eu perguntei, e acabei descobrindo que "sair com"
quer dizer "trepar" - assustador isso, porque pra mim "dormir com"
quer dizer "dormir com", e eu fico até com medo de lembrar do que
"dormir junto" quer dizer pras pessoas normais daqui... aliás, foi
numa dessas que a Aline me agarrou e me comeu - e depois ficou se
esquivando e tirando onda e me manipulando - e isso acabou virando a
pior coisa que já me aconteceu, pior do que eu ser filho do meu pai,
pior do que a minha adolescência, pior do que eu ter sobrevivido à
minha tentativa de suicídio quando eu tinha 17 anos, que na época era
a minha única esperança.]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Segunda 20/nov/2006]
[P [Q Aconteceu com um amigo meu:]]
[P [Q - Tá tudo bem?]
[BR] [Q - Não, tá tudo péssimo!]
[BR] [Q - Ah, mas não pode ser assim não! A gente tem que dizer que as
coisas estão bem.]
[BR] [Q - Então tá tudo bem.]
[BR] [Q - Então tá bom. Muita força pra você, qualquer coisa me liga.]
]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[#
[section+ [Q Segunda 13/nov/2006]
[P [Q Eu morro de tesão por você, mas por favor, me deixa acreditar
que o que eu quero é algo flexível, como o que a gente tem com gatos,
que brincar com eles quer dizer uma coisa diferente a cada vez, quer
dizer descobrir o que eles estão a fim e não ser invasivo, e tem vezes
que eles nem querem que a gente chegue perto demais mas eles nos olham
de igual pra igual e isso já nos salva o dia]]
]
#]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Sábado 4/nov/2006]
[P [Q Da última vez que eu encontrei a pessoa X (terça, 23/outubro,
por acidente, depois de um seminário na UFF; o domingo que eu fiquei
doente foi dia 15/out) a gente conversou um bocado, e ela ficou
tentando pôr as coisas em termos de atração física e definição sexual
-]]
[P [Q Cada vez eu tenho mais raiva disso. Desde pequeno eu acho que a
gente deveria tentar não discriminar pessoas só por detalhes físicos
etc etc - ah, mas depois eu fiquei tentando pensar nesses termos da
pessoa X, nem que fosse só pra eu ter uma resposta pras próximas vezes
em que as pessoas em torno de mim começassem a conversar sobre essas
coisas (esse tipo de conversa me irrita e me frustra, quando elas
acontecem eu desligo) -]]
[P [Q Que tipo de coisa eu gosto numa transa: o espírito de "na hora a
gente vê". Algo que eu detesto e que me aterroriza: pessoas que
separam o físico do resto.]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Quinta 2/nov/2006]
[P De [IT Diane Arbus - A Biography], pp.243-244:]
[NARROW
[P Diane would also show her contacts to Walter Silver, a
documentary photographer who lived near her in the West Village.
Diane liked his work and he liked hers. "We'd compare prints,"
Silver says, and then sometimes Diane would have coffee with him at
the Limelight, where many photographers still hung out -
photographers like Weegee, Robert Frank, and Louis Faurer. "We'd all
sit together at a big table and Diane would sit with us," Silver
adds. "She'd never say a word - she'd just listen and then suddenly
you'd look up and she'd be gone. She was the only woman who was ever
in our little group."]
[P Which was her choice, of course, but some people got the feeling
that Diane thought of photography as a man's profession. "I
remember, though, that once I mentioned that women might be better
photographers than men because women can inspire greater
confidence," John Putnam noted, "and Diane said, `Look, I'm a [IT
photographer], not a woman photographer.'"]
[P As for making a great photograph, Diane believed men and women
were equal, but she also knew that for many of her magazine
assignments she was being paid half a man would be paid and this
bothered her. Still, photographing for magazines was to only way to
survive; all the photographers she respected did magazine work. [#
Walker Evans, for example, had subsisted for years on the money he
earned from [IT Fortune]. He was contracted to do one tycoon a month
for the magazine.]]
]
[P [Q Insegurança e baixa auto-estima parecem ser território feminino
- não, não é bem isso - tem vários modos de lidar com isso, muitos
femininos, uns (poucos) masculinos]]
[P [Q ...em geral "downright losers"; as exceções a gente conta nos
dedos de uma mão, acho, e são sempre muito impressionantes e caem fora
dos padrões de gênero usuais. As que me vêm à cabeça agora
("fragilidade e lucidez ao mesmo tempo"): David Bowie no "Low"; os
irmãos Reid no "Psychocandy"; Ney Matogrosso no Secos & Molhados;
talvez o J. Mascis no Dinosaur Jr., principalmente no "Just Like
Heaven" e no "Bug" -]]
[P [Q Estou me expressando mal, mas depois eu tento de novo.]]
[P [Q Ah - eu fiz essa conexão porque às vezes eu fico pensando que
talvez eu esteja condenado a ganhar sempre metade do que os "homens"
ganham - pelo menos se eu continuar aqui no Brasil. Parece que aqui
competência não importa muito, pose e assertividade é que sim...]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Terça 31/oct/2006]
[P [Q Dizem que pra gente viver como frila - e trabalhar em casa - a
gente precisa de uma auto-disciplina monstro, e eu não sei se eu tenho
- pelo menos não do jeito dos outros.]]
[P [Q Quando essa minha história com a pessoa X estava no seu pior
momento eu passei uma semana vivendo como um zumbi. Teve um domingo em
que eu acordei muito zonzo e espirrando muito; eu tentei fazer algo de
[#] útil no computador e nada andava, aí eu resolvi interpretar isso
como um sinal de que eu tinha que descansar e me joguei na cama. Das
poucas vezes que eu acordei eu vi que que eu mal tinha forças pra
rolar um pouco pelo chão e alcançar alguma coisa (a minha cama é um
futon, ela fica pouco acima do nível do chão), então no domingo
inteiro eu mal passei seis horas sentado ou de pé... e depois disso eu
tentei lembrar o que eu tinha feito nessa semana e não consegui - sei
que eu não perdi nenhum compromisso, sei que na terça eu dei um
seminário na UFF que foi bastante bom, sei que eu devo ter parecido
bastante normal, e sei que algumas vezes eu me via conversando comigo
mesmo sobre essa história com a pessoa X, e eu ria, porque era
estranho e engraçado eu não saber se eu estava triste ou não, aliás,
eu não saber como eu estava -]]
[# P [R http://bobdylan.com/songs/mosttime.html Bob Dylan - Most of
the Time]]
[P [R http://www.bobdylan.com/songs/most-of-the-time Bob Dylan -
Most of the Time]]
[P [Q Sei que durante essa semana em que eu fui um zumbi eu quase não
tive energia pra mexer num programa que eu estou fazendo como frila, e
isso me grila - os "profissionais" que eu conheço que trabalham em
profissões caretas, quase todos - digamos, os que trabalhavam comigo
na Barra - são cascas vazias sem nada dentro... e ainda por cima eu
sempre me meto em coisas que exigem um bocado de conhecimento e
dedicação, que não dá pra fazê-las banalmente -]]
[P [Q De onde é que aqueles garotos nerds do trabalho da Barra tiravam
energia pra fazer aqueles programas enormes, áridos, horríveis? De
dinheiro, kart e putas? De ficarem rindo e se chamando de viados?]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Domingo 29/oct/2006]
[P [Q Agora a Camila se mudou de volta pra cá, dessa vez com o
namorado, que é super gente boa; a casa virou uma festa permanente, e
esse domingo foi um entra-e-sai de convidados trazendo garrafas. Eles
zanzavam entre o terraço - onde as pessoas estavam "trocando uma
idéia", whatever that means - e a cozinha.]]
[P [Q A máquina de lavar vai embora na terça. A geladeira também, mas
tem uma reserva (uma antiquíssima), e vai entrar uma nova no lugar da
que sai.]]
[P [Q Eu falei "...de volta pra cá", mas eu não estou em casa, estou
matando tempo na rua, tentando pôr as idéias no lugar e tentando lidar
com uma coisa engasgada na garganta.]]
[P [Q Acho que a minha Pepsi de 2L foi embora também - as pessoas da
cozinha fizeram alguma menção a ela logo antes de eu sair de casa pra
votar, e a Camila quer que as coisas da cozinha sejam de todo mundo.
Isso é foda, porque eu sou vegetariano (com tendências vegans fortes)
e ela é super carnívora e junkfoodívora. Ah, e eu tinha nojo das
panelas que ela deixava em cima do fogão - a frigideira de ovo frito e
a sanduicheira que eu nunca tive coragem de abrir - e daquelas cracas
em torno das bocas do fogão que um dia, na época em que ela estava
morando fora, eu levei meia hora com um bombril pra tirar 90% delas. O
forno eu só abri uma vez, pra esquentar um treco, e nessa hora eu
mantive a minha capacidade de abstração ligada no máximo, então eu não
sei como ele estava.]]
[P [Q O meu plano era usar a Pepsi pra virar a noite programando. Vou
ter que ligar pra Camila pra saber o quanto sobrou e se eu preciso
comprar outra.]]
[P [Q A noção de sujeira das pessoas é diferente, né - eu aprendi isso
no tempo em que eu morava com o Meleca, ele se preocupava com poluição
e contaminação por metais pesados e nem reparava que toda vez que ele
entrava na cozinha feito um bólido pra preparar alguma coisa voavam
pedacinhos pra todo lado, e eles ficavam no chão. Isso me desesperava,
eu costumava andar descalço em casa e o Meleca nessa época estava
sempre com um pijama branco encardido e chinelos de sola de sisal - e
pressa, muita pressa, pra tentar disfarçar a depressão - então ele
passava pela cozinha super rápido e sem atenção e logo voltava pro
quarto dele pra fumar mais skank. Como eu não sabia o que fazer com
isso eu passei a deixar as minhas havaianas perto da cozinha e eu só
usava elas pra entrar lá.]]
[P [Q A minha noção de sujeira e a do Tião são super compatíveis.
Nesses tempos de Camila fora nós mantivemos a cozinha e o banheiro bem
usáveis, mas a gente deixava a poeira no chão da sala (a "Sala da
Camila") no lugar até nos incomodar - tipo três semanas -, mas isso
era uma brincadeira e um gesto de liberdade.]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Sábado 28/oct/2006]
[P [Q Acabou. Aliás, já acabou há semanas, e cada vez que eu tento
escrever sobre isso sai algo totalmente diferente.]]
[P [Q A pessoa X acabou comigo porque ela descobriu que gosta de
mulheres (e o meu corpo é masculino, né; do resto a pessoa X (diz que)
não tem queixas, muito pelo contrário - melhor que a Cláudia, que
acabou comigo porque queria um homem de verdade), e há meses atrás a
pessoa X rechaçou uma amiga apaixonada por ela porque ela (X) gostava
de homens.]]
[P [Q Obs: claro que isso é a minha versão da história, e a minha
versão já mudou várias vezes, e memórias são mais legais que
fotografias porque fotografias ficam iguais com o tempo e memórias a
gente pode distorcer à vontade... e as coisas que eu escrevi sobre
isso antes eram ruins e chatas, e problemas têm que ser interessantes
e divertidos, senão eles afastam as pessoas.]]
[P [Q Quando eu era adolescente o meu cabelo era um Black Power
gigantesco. Ele afastava algumas pessoas - quase sempre as pessoas de
quem eu queria distância - e fazia outras pessoas (legais) se
aproximarem.]]
[P [Q Pessoas vestidas de problemas]]
[br]
[P [Q Ouvindo: Furtwängler, 9ª de Beethoven, gravação de 1942 com a
Filarmônica de Berlim.]]
[P [Q Lendo: Diane Arbus - A Biography (Patricia Bosworth)]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Terça 24/oct/2006]
[P [Q Má-formação congênita, problemas hormonais graves -]]
[P [Q Eu tenho esse blog há quase um ano e ainda não consegui escrever
nada sobre isso]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Sexta 13/oct/2006]
[P [Q Ele me deu a mão pra eu cheirar e eu pensei: "será que ele andou
caçando perto das bromélias?" - apesar do cheiro ser um pouco
diferente -]]
[P [Q Aí ele fez festinha em mim. Ele era fofo.]]
[br]
[P [Q Me mostra o que você sabe fazer com luvas de látex e um balde de
astroglide.]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Quinta 12/oct/2006]
[P [Q Idéia para um cartaz pra ser colado no poste na base da
escadaria:]]
[br]
[NARROW [P
[Q Qual é a função desses policiais da escadaria?]
[BR] [Q É tirarem dinheiro de gente inocente?]
[BR] [Q Eu estou cansado de ter medo e raiva toda vez que eu subo
essa escada.]
[BR] [Q Quero ser "protegido" por gente decente.]
[BR]
[BR] [Q (Que vergonha precisar de um cartaz anônimo pra dizer isto)]
]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Quarta 9/aug/2006]
[P [Q Passei pela casa dos meus pais e vi os dois se desvanecendo
juntos.]]
[P [Q Às vezes eu penso, como seria bom se a guerra em que nós vivemos
fosse mais explícita e as nossas velhices e mortes fossem mais dignas,
interessantes e coloridas.]]
[P [Q Eu queria o meu "Malone Morre" de volta. Será que eu o emprestei
pra alguém - e anotei pra quem - na época em que eu me mudei pra um
lugar menor e resolvi que os meus livros precisavam circular?]]
[P [Q A Zedka tem um exemplar, de qualquer modo.]]
[br]
[P [Q Antigamente o Beckett era só um escritor fodão e um Prêmio Nobel
bem dado. De um ou dois anos pra cá eu tenho ouvido cada vez mais
gente se referindo a ele como alguém fundamental, a oitava maravilha
do mundo, que bom que nós temos Beckett. O que houve? Eu lembro de ter
ficado muito perturbado por "Rockaby", mas tenho lembranças vagas do
resto (comprei vários livros dele numa viagem à França quando eu tinha
15 ou 16 anos), e nunca li o Godot direito.]]
[P [Q Será que essas pessoas consideram que o Beckett encontrou uma
chave pra entender o mundo de hoje?]]
[br]
[P [Q No Congresso Vegetariano tinha algumas dessas pessoas de 80 e
poucos anos super ágeis, super vitais, com vozes claras e sem vibrato.
Elas atribuem a saúde delas à alimentação (são crudívoras, em geral),
mas as pessoas da família delas dizem que não é possível, que é uma
questão de genes.]]
[P [Q É meio antipático a gente ficar dizendo pras pessoas passarem a
comer coisas que elas não conseguem comer de jeito nenhum.]]
[P [Q Acho que a grande questão é: porque é que algumas pessoas se
dispõem a mudar de alimentação e a terem hábitos mais saudáveis (e a
tomarem o controle das suas vidas nas suas próprias mãos) e outras
não?]]
[P [Q E a geladeira da minha mãe cheia de queijos e frios. E eu não
posso fazer nada. Eu entendo as razões dela.]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Domingo 6/aug/2006]
[P [Q Taxista filho da puta, quando eu perguntei na rodoviária se era
táxi normal ele explicou com mumbling words e risadinhas de carioca
gente boa que "brxstlpqtlhmqsz 3 reais", e eu achei que no máximo era
3 reais a mais em cima da bandeirada - aí chegando aqui defronte de
casa ele fez uma conta mágica em cima da quilometragem e a corrida deu
R$29,70 ao invés de pouco mais de R$15... eu fiquei horrorizado,
reclamei, quis os meus R$0,30 de troco (preu não ir dormir me sentindo
tão roubado), o cara não tinha, e eu disse que então eu ia deixar as
mochilas em casa e a gente descia e rodava até conseguir trocar uma
nota de R$10 e depois eu voltava a pé...]]
[P [Q Aí eu acabei cedendo, deixando o cara com R$30 mesmo, saindo do
carro num puta mau humor e pensando em fazer o que eu pudesse - e que
não desse muito trabalho - pra que nenhum conhecido meu nunca mais
pegasse esses táxis de cooperativas que cobram quase o dobro dos táxis
normais, mesmo sendo amarelinhos e iguais aos outros.]]
[P [Q Tou escrevendo isso com um restinho de raiva - o meu default é
esquecer e agir como se eu não tivesse direito nenhum - como se eu
fosse ainda mais negro e não-consumidor do que eu sou.]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Sábado 22/jul/2006]
[P !!]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Domingo 16/jul/2006]
[P [Q A Bianca disse "você vai no congresso vegetariano em São Paulo,
né?!" meio como se fosse uma ordem, e eu adorei isso - em 5 minutos eu
já tinha decidido que ia.]]
[P [Q Ontem eu conversei bastante com a minha mãe - acho que está na
hora dela ficar sabendo de algumas Coisas Muito Importantes, por mais
que não façam sentido pra ela num primeiro momento (ou nunca), e por
mais que durante anos ela tenha dito que preferia não saber - aliás,
que "tinha o direito de não saber". É hora de forçar a barra e
desfazer bichos de sete cabeças.]]
[P [Q Talvez tenha sido essa conversa com a minha mãe que me fez
pensar uma determinada coisa quando a Bianca me falou do Congresso
Vegetariano... Deixa eu transcrever um trecho de um e-mail que eu
mandei em 24 de junho:]]
[NARROW
[P [Q Eu 95 ou 96 eu caí no meio do Primeiro Seminário Nacional de
Lésbicas (é sim -- longa história) e lá eu aprendi MUITAS coisas
muito importantes... numa das primeiras palestras que eu assisti a
palestrante estava falando sobre como as lésbicas são invisíveis
mesmo no meio do movimento feminista, elas participam pra caramba,
carregam as coisas, fazem o trabalho pesado, dormem (e tarará etc
etc) com as feministas, e aí quando elas se inscrevem pra falar nas
plenárias alguma coisa acontece e o tempo sempre acaba antes da vez
delas chegar. Bom, pra resumir muito, os gays que eu conhecia
estavam falando sobre sexo e festa, os heteros como sempre falavam
sobre mulher, política e futebol, e logo nos primeiros minutos da
primeira palestra em que eu fui no seminário eu vi que as pessoas de
lá estavam falando sobre visibilidade e auto-estima... Baraaaalho!]]
[P [Q Bom, tudo isso pra contar que eu ando fazendo coisas loucas de
vez em quando, cada vez mais, aliás, e com uma atitude de quem tem
muito pouco pra perder e de quem já não tá mais ligando muito pra se
vai ser entendido ou não, porque muita gente por aí resolveu não
pensar e não entender e ficar só desprezando tudo, e não dá mais pra
ficar esperando que essas pessoas me entendam e me respeitem, tá na
hora de forçar umas barras. E as estratégias que funcionam quando a
gente é uma minoria de um são muito diferentes das de quando a gente
[J] é parte de um grupo grande.]]
[P [Q Eu tou com isso tudo muito presente na cabeça agora porque há
duas semanas atrás eu quase esganei um garoto (20 anos) amigo de uns
amigos meus que são vegetarianos militantes... ele passou horas
descarregando uma raiva inexplicável em todas as direções, e quando
ele falou que tinham que matar drogados, aleijados, débeis mentais,
gays e todas as pessoas que fossem inúteis pra sociedade eu achei
que eu não tinha nada que ficar me controlando e era melhor deixar
as minhas raivas e rancores fluírem...]]
]
[P [Q Lá no congresso vai ter muitos vegetarianos muito chatos, mas
alguns gatérrimos. Lá vou eu, carregar coisas, fazer a minha melhor
cara de roadie invisível, me divertir à beça e ver o que acontece.]]
[P [Q Estou ficando incoerente com o meu próprio discurso reclamão -
isso é ótimo.]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Quinta 6/jul/2006]
[P [Q Eu vi ela cantando bem baixo uma música do "Pornography" do The
Cure como quem entoa uma maldição]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Sábado 17/jun/2006]
[P [Q Há vários anos atrás eu assisti uma exposição do Mestre Vitalino
no CCCB. Os bonequinhos eram toscos mas muito expressivos, e muitos
deles tinham sido emprestados por museus do Japão e da Alemanha. A
exposição estava lotada. De repente eu me toquei que os personagens
que eram retratados nas esculturinhas - barbeiros, dentistas,
cavaleiros, famílias, noivos, criadores de animais, sempre coisas
cotidianas assim - tinham se reconhecido nos bonequinhos, e tinham
conversado com o Vitalino; alguma transformação estava acontecendo na
vida daquelas pessoas e daquele lugar, parecia que antes era só aqui e
agora, dia após dia, num lugar nenhum, e o máximo que as pessoas
podiam ter eram memórias e histórias, e talvez algumas fotos - e de
repente elas são algo mais, o que elas vivem também pode virar
esculturas, não sei explicar - e não era um caso de artista solitário,
como o que a gente costuma ver - tinha algo muito grande acontecendo
ali. Aí eu tive um ataque de choro totalmente incontrolável no meio da
exposição, e tive que ir correndo me esconder num canto - era uma
época em que eu não chorava nunca, nem escondido.]]
[P [Q Do meu caderno principal (o vermelho), escrito em 1987:]]
[P [Q Aí o choro foi aumentando e eu soltei a voz e saiu uma voz
grossa e feia e eu me calei outra vez.]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
[section+ [Q Quinta 1º/jun/2006]
[P [Q Quando eu era pequeno eu fiz vários anos de psicoterapia com um
cara que hoje em dia eu considero como um imbecil. Acho que não faz
sentido omitir o nome dele, então lá vai: Mário Romaguera. Vai que
algum dia alguém se dispõe a furar os pneus do carro dele, sei lá...
antes tarde do que nunca.]]
[P [Q Eu tinha alguns assuntos espinhosos que eu queria poder abordar
na terapia, mas eu não conseguia falar deles diretamente - a gente não
fala qualquer coisa pra qualquer um - então eu tentava dar deixas. Eu
esperava que ele entendesse minimamente o que eu dizia e fizesse as
perguntas certas.]]
[P [Q Se eu percebesse que o que eu sentia era algo que ele conhecesse
aí eu prosseguiria - aliás não é só que eu estivesse fazendo doce,
também tem uma questão de linguagem... se a gente quer contar uma
coisa X o modo de contar vai ser um quando a coisa é familiar pra
pessoa com quem a gente está conversando, outro quando a coisa é
totalmente nova mas a pessoa fica interessada, outro quando é nova e a
pessoa fica meio horrorizada e meio defensiva, outro quando ela não
entende de jeito nenhum... e o Mário, talvez por algum princípio
profissional que ele provavelmente entendeu errado, era sempre casual
e neutro, e é difícil a gente contar coisas que são super pesadas
nessas condições - e mesmo assim durante anos eu tentei.]]
[P [Q Eu só lembrei disso (e resolvi escrever algo sobre) porque me
lembrei da imagem do labirinto. Podemos não ter grandes segredos, mas
nem tudo o que temos está imediatamente à vista, se alguém quiser
saber mais vai ter que andar dentro da gente um pouco, tentar vários
caminhos,]]
[P [Q (incompleto - na verdade eu ia começar daí e falar sobre
relacionamentos)]]
]
[# ------------------------------------------------------------ #]
]
[#
# Local Variables:
# coding: raw-text-unix
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# End:
#]