Rape Recovery Journal

Segunda 17/jul/2007

XVII.
As the master of the day
is Anna Xenia
the master of the night

is dread.

I position myself.
It fills up the room.

Pit-boys na van conversando sobre porrada. Amigos ganhando pouquíssimo como sempre. A cidade cheia de policiais por causa do Pan.

Hoje eu tive vergonha de mim mesmo, e raiva, e fiquei pensando sobre como essas coisas ficam voltando sempre, e como o maior motivo de eu tentar ser correto é ficar a salvo dos pesadelos.

Passei os últimos dias trabalhando bastante, e encontrando soluções simples e incríveis. Aí eu hoje fui comer no Beterraba, descabelado, com a pele ruim por causa de coisas que eu comi ontem, e com a barba por fazer. No caminho tinha espelhos, e quando eu me olhava no espelho era horrível, era como ver uma batalha perdida. Eu lembrava as pessoas em quem a polícia bate (ou mata e depois diz que era bandido), as pessoas que aguentam trabalhos horríveis - como aquele que eu tive perto da Praça XV, que pechinchou comigo de um modo pra lá de ofensivo e violava alegremente todos os acordos verbais.

Tem pessoas que quando eu vejo eu penso "que pessoa bonita", exatamente do mesmo modo como eu acho cachorros e gatos bonitos e fascinantes - e se algum dia eu for me aproximar de alguma dessas pessoas eu vou dizer algo simpático e não-invasivo, pra elas não se assustarem. Mas tem outras pessoas bonitas que que eu olho durante um instante e só tenho uma inveja que já é quase raiva. Parece que elas nunca saíram das torres de marfim, e sempre souberam que alguém cuidaria delas, mesmo se durante alguns períodos elas tivessem trabalhos-lixo que pagassem pouquíssimo; uma vez por semana elas iriam a festas e seriam vistas e admiradas e teriam valor.

Quando eu me olho no espelho eu vejo que eu tenho uma cara que pouca gente entende. Aliás, quando eu olho rápido quando eu estou muito esculhambado nem eu próprio entendo a minha cara. Eu pareço um caixote salvo de um naufrágio.


A minha mãe tem duas mães. Tem a minha Avó Estelionatária e tem uma outra, a "mãe boa", que ela pode passar meses sem mencionar em conversas, mas que é uma das grandes referências dela (acho que é uma vergonha a gente ter uma mãe "de verdade" que dá golpe em todo mundo e a gente ter elegido uma mãe de criação que é uma criatura totalmente de fora das torres de marfim). A mãe boa dela está morrendo. A outra ainda vai durar muito, e ela aproveita os momentos em que é tratada como pobre velhinha pra empurrar documentos falsificados.

Eu comecei a escrever um e-mail enorme pro Sebastião, mas ainda não consegui terminar. Era sobre imortalidade, principalmente. Eu andei ouvindo muito Elastica - o segundo disco e as Peel Sessions - e Au Pairs, e Cat Power, e lendo Henry Miller (Trópico de Capricórnio) e os diários da Anaïs Nin. A minha grande questão é o que fazer com a raiva, e com essa sensação de sermos tão descartáveis.

Quando eu vejo notícias sobre policiais mortos eu fico feliz e sorrio de orelha a orelha. Não tenho mais ouvido histórias sobre cabeças cortadas e espetadas em estacas, mas eu achava isso lindo - eu faria.

É muito ruim viver dentro de pesadelos. A gente tem que fazer algo com eles.

A coisa com que é mais difícil lidar é com a impunidade. É bom saber que pessoas que são trapaceiras, violentas e estúpidas um dia vão se ferrar, de algum modo que é conseqüência direta do comportamento delas.

Os traficantes matam policiais às vezes. "Bandidos" às vezes assaltam as pessoas que têm carros. Pit-boys se quebram uns aos outros. Preibóis batem com seus carros nas árvores. A vida aqui é selvagem mas (quase) digna.

Comprei um livro sobre Lampião.

Domingo 10/jun/2007

Foi preciso que as plantas morressem para que

Quarta 30/mai/2007

Teve um dia que eu estava no dentista e ele viu que além das cáries "normais" - que acho que eram sete - eu tinha duas que iam precisar de um tratamento de canal - e eu não tinha dinheiro nem pra pagar aquela consulta, eu ia ter que pedir emprestado pros meus pais e pagar na consulta da semana seguinte...

Eu não queria ir na dentista que era minha dentista desde que eu era criança porque ela ia ficar contando de todos os "garotos" da minha idade que são parentes dela e da minha madrasta ("madrasta"? A mãe da minha meio-irmã por parte de pai, que é 6 anos mais velha que eu) - e todos esses, hm, garotos, estão super bem de vida, viajam pra cá e pra lá, têm carros e mulheres/namoradas/filhos, se casam dando mega-festas (caceta, e eu nem namoro, há três anos atrás a mulher que eu achei que era o homem da minha vida me chutou porque eu era um estudante descabelado e pé-rapado - bom, whatever) - e aí ela ia contar essas histórias, olhando pra mim com cara de "e você, Eduardo?" e eu ia ficar constrangido, com vergonha de ser quem sou, de boca aberta ("agora abre bem grande"), dizendo "arrã, arrã -"

Terça 29/mai/2007

Ele pechinchou demais, na hora errada. A minha boa vontade foi pro brejo. Ele quebrou o brinquedo.

Segunda 5/mar/2007

São pessoas que se eu for estuprado de novo vão dizer que queísso, tudo é lindo, não se apega a sentimentos ruins não.

Minha casa foi invadida por pessoas assim. Tá bom, não tanto; mas alguns amigos de pessoas que eu alojei são assim.

Se o João aparecer aqui de novo eu vou cobrir ele de porrada. Não me interessa se ele vai entender ou não - eu não posso ficar paralisado só porque ele não entende nada.

Ele acha que tudo o que não se parece com as meditações dele é coisa de gente inferior.

Ele é parecido com o meu pai - só que pro meu pai as únicas coisas que existem são as engenheirices dele e os noticiários e a economia.

Quando o João estiver encurralado num canto apanhando e apanhando talvez ele veja que quando alguma coisa dói nem sempre basta meditar e dizer que que lindo, a dor não existe, nada existe a não ser o infinito amor divino - às vezes é hora de fazer algo de concreto, usando mãos e pernas e braços e cotovelos, protegendo narizes. Talvez um dia, daqui a anos, ele entenda que dor e ódio existem porque a gente também tem que cuidar de um corpo físico que não é uma linda alma imortal perfeita e cheia de luz. E que enquanto ele se cerca dessas pessoas sorridentes e espiritualizadas que nunca dizem algo que é duro e que dói, porque afinal cada um tem o seu processo e a gente não pode interferir (e, fucking amazing, sic: "ninguém diz nada pra ninguém, as pessoas só ouvem e entendem e mudam quando chega a hora de ouvir e entender") - que na verdade ele está cercado de pessoas omissas.

Eu vi a minha sala cheia daqueles hippieóides beatíficos e sorridentes abençoando a comida de olhos fechados e eu fiquei muito constrangido e angustiado.

No dia seguinte eu passei mal. Prefiro "acreditar" na hipótese mais engraçada que eu consegui arranjar: que eu passei mal porque não abençoei a comida e aí ela não desceu nada bem.

A minha sala estava cheia de mortos-vivos e eu não consegui fazer nada.