Biblioteca do Daniel

Para trás


Adolescência

 

If I had a chance I'd ask you out to dance, and woudn't be dancing with myself.

Um dia eu vou parar de respirar, e é isso que me consola e me dá forças para continuar vivendo.

 

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  Fui para o Colégio Princesa Isabel. Também saí da casa da vó e morei em um conjugado por um ano. A Lola me obrigou a fazer amizade com o único não-adulto do prédio, um cara dois anos mais velho. Meu terceiro amigo, dessa vez um com o qual eu podia contar para desabafos e coisas do gênero. Carrinhos e Telejogo enchiam nosso tempo quando não estávamos no colégio. Também não havia muito pra desabafar, já que nossa vida quase se resumia a ir ao colégio e jogar Telejogo. Mas era legal.

10 anos. 8 para o serviço militar e a morte. Nos mudamos para a Rua Eduardo Guinle. Lola deixa seu namorado e a paulista se torna cada vez mais inacessível. A sociedade me assalta. No primeiro dia do Princesa Isabel, fiz amizade com um judeu que sentou do meu lado, e isso selou minha sorte por vários anos. Virei judeu emérito. No meu prédio, garotos mais novos e mais velhos, festinhas de fim de semana, fofocas, porteiros rabugentos... Chego no playground com os olhos e o rosto vermelho. Peço pra jogar pingue-pongue. Os garotos mais velhos perguntam se eu estou chorando. Eu digo que estou com conjuntivite. Perguntam se alguém me bateu, que se for isso é só dizer que eles vão lá e dão uma lição no covarde. Digo que não, que tomei sol demais, e me queimei. De só um lado da cara? É, isso aí... Eu odeio pingue-pongue. E odeio ser forçado a fazer amizade.

  A vitrola velha foi para o meu quarto. Comecei a ouvir Beatles baixinho, para não incomodar, e colava o ouvido na caixa acústica. Depois Genesis, porque estava vendendo na Sears. Um dia, outro Alexandre, um cara mais velho, estava ouvindo The End do Doors no salão de festas, com o volume máximo, e contando o que significava "father? Yes, son. I want to kill you... Mother... I want to... Come on yeah!". Eu não entendi nada, nem interessava, mas eu gostei do ritmo, e depois de ganhar um disco do U2 de um dos amigos judeus e ver o clip de Boys don't cry, quis tocar bateria. No clip aparecia um menino usando apenas uma caixa e um prato, e foi isso que eu pedi para a Lola. Ela me deu uma caixa de escola de samba, de pendurar no ombro. Aí termina minha carreira de bateirista.

Comprei uma gaita, que era barata e cabia no bolso, e comecei a posar de cavaleiro solitário em cima da minha BMX. Embora tivesse amigos aproximadamente da minha idade (ao menos do meu Q.I.), continuava me sentindo solitário. No colégio, achava os judeus chatos, como todos os outros colegas. Uma garota se interessou por mim (e eu por ela). Mas ela começou a me chamar de "amiguinho", e eu logo comecei a achar ela meio retardada. Eu deixei de sentar perto dela, e logo todos comentavam nossa "separação".

Pus minha caixa de bateria em cima de um apoio de partitura e batia cada vez com mais força nela. Passei a usar o volume máximo.

Tive uma amizade breve com um garoto de cabelo comprido, parafinado apenas no alto da cabeça, gordo e agressivo. Nosso ponto em comum: fazer tortura psicológica com uma colega muito feia, na verdade a última da hierarquia feminina. Quando encheu, deixamos de nos falar.

Dei um compacto do Michael Jackson para o Alexandre, e ele ficou histérico. Disse que foi o melhor presente da vida dele. Negue!

Já que eu não gostava de dançar, passei a discotecar as festinhas do meu prédio. O pessoal que freqüentava seriamente essas festas, os mais velhos, ficavam exigindo música lenta. Eu pus então uma música que era lenta, antes de disparar. Era A-ha. O Alexandre me disse, com desprezo, que o A-ha estava fazendo sucesso nos Estados Unidos. E daí?

Mas me enchi rápido do A-ha. Eu gostava de Cure e Smiths. Não dava pra tocar em festa, pois dizia-se que não dava pra dançar, não era rápido nem lento o suficiente. E era depressivo (Yes!). Mas também era repetitivo. Comprei um disco novo dos Smiths cujas melhores músicas eu já tinha nos outros discos. Idem para U2. Decidi que não escutava mais nenhum desses conjuntos comerciais. Mais um ano, e esses discos sairiam voando pela janela do meu quarto.

  Hormônios. Que merda. Numa crise hormonal, mandei uma carta anônima para a Rosana escrito algo brega e vazio. Pus embaixo do capacho da casa dela. Quando ela veio me agradecer (arrrrgggghhhh!) já tinha me arrependido amargamente. Fiquei com nojo de mim mesmo. Disse que não sabia de nada, e incriminei o Duda. A carapuça serviu direitinho, e não se falou mais nisso.

  Rosana chora na frente da Lola dizendo que eu não quis dançar com ela. Sai dessa, garota!

  Performance. Depois de dublar umas músicas durante uma festinha, eu, Maurício e João destruímos nossas guitarras de isopor ao bom estilo The Who.

Gosma. Todo mundo com gel New Wave no cabelo. E o pior é que a purpurina do New Wave ficava mesmo depois de se lavar. Apareci de chapéu na festa e a irmã do Alexandre pegou da minha cabeça, pôs na dela, dançou a noite inteira e depois foi pra casa. Adeus, herança de família.

Ignorância. No refrão que dizia "Tell me more, tell me more, baby tell me more" todos na festa cantam "Tchany boy, tchany boy, there is tchany boy" erguendo seus punhos.

 

  É claro que eu estou dançando sozinho. Mas às vezes é divertido.

 

  No colégio, um cara mais velho me pergunta quantas vezes eu me masturbo por dia. Respondo "já perdi a conta". Ele fica surpreso. Eu penso "tenho que providenciar isso logo". "Mas como é que se faz isso?"

  Num acesso de moralidade, queimo a revista que tem a Xuxa nua e jogo pela janela. Depois me arrependo pra sempre.

  Num pedaço de papel higiênico que está no armário, posso contar quantas vezes já gozei. Nenhum amigo acha estranho. Também não sei por que a empregada limpa tudo mas deixa o papel higiênico intocado.

  Um dos amigos judeus pergunta para a namorada se ela já ficou menstruada. É o fim do namoro.

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