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%*
% (eedn4-51-bounded)

%Index of the slides:
%\msk
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Notas sobre micropolítica



2009dec14: Cola em Cálculo 2
============================

Fato: 12 alunos colaram descaradamente na segunda prova de Cálculo 2.

Eu não sei como eles fizeram durante a prova - eles foram bem
discretos, acho, mas o que importa - o que temos de concreto - é que
eles responderam algumas questões de forma exatamente igual - mesmos
erros, mesma diagramação (ok: não "exatamente" igual, mas com
diferenças ínfimas; qualquer pessoa externa que consultarmos irá
concordar com isto).

Fato: quando eu corrijo uma questão de alguém que colou eu fico
morrendo de raiva, e passo dez minutos pensando em
coisas-que-agora-não-vêm-ao-caso - dá um trabalhão pra eu me
concentrar de novo e conseguir ter alguma certeza de que eu vou
corrigir a prova seguinte sem passar a desconfiar por princípio de
cada coisa que o aluno seguinte tiver escrito.

Sub-fato importante: esses alunos são alunos de segundo período, e os
alunos dos primeiros períodos escrevem {\sl muito} pior do que
deveriam (obs: ainda não tive contato suficiente com os outros). Eles
raramente escrevem algo além das contas, raramente conseguem explicar
por escrito um raciocínio, têm vícios de linguagem que fazem com que o
que eles escrevem seja muito ambíguo - por exemplo:

  Como a derivada da constante é 0; se o gráfico tem a mesma variável
  $(-x)$, sua derivada será igual à de uma função com qualquer outra
  constante.

A gente {\sl precisa} que os alunos consigam escrever os raciocínios
deles claramente, e o ideal seria que eles pudessem até escrever
coisas como isto numa questão de prova:

  daí sen $3x = e^x$... isto é absurdo, então devo ter errado antes,
  talvez nas contas quando eu inverti a matriz...

Ao invés disso eles escrevem o mínimo.

Eu ainda não estou conseguindo premiar adequadamente os alunos que
escrevem direito - eu disse que uma questão bem explicada poderia dar
"pontos de bom karma" pra eles, fazendo com que eu fosse muito mais
tolerante com erros e distrações em outras questões da prova, mas
ainda não consegui implementar essa idéia direito, e ainda não
consegui critérios suficientemente "objetivos" pra medir o que são
questões bem explicadas... e acabei tendo que dar - por falta de tempo
no final do semestre - a mesma nota pra pessoas que fizeram trabalhos
individuais super bem feitos e pra grupos de três pessoas que
simplesmente copiaram literalmente os trabalhos de outros grupos de
três pessoas... por exemplo, um dos trabalhos era pra eles aprenderem
a visualizar aproximações de áreas por somas de retângulos; depois eu
ponho um link pro scan do enunciado. Quantos alunos será que
encontraram um modo de caprichar no trabalho que servisse pra eles
mesmos? Deixa eu explicar isso, que não deve ter ficado claro. Alguém
que tenha feito um trabalho todo bacana só pra ganhar mais pontos vai
se sentir injustiçado por ter ganho os mesmos pontos que alguém que
fez um trabalho porco, e não vai querer caprichar nos próximos; mas
alguém que tenha feito os desenhos do trabalho com todo o cuidado só
pensando "oba, que legal, tou aprendendo um monte de truques pra fazer
diagramas super claros", essa pessoa vai ter orgulho do trabalho que
fez, e ela sabe que ela aprendeu a fazer [IT os próximos] trabalhos
bem melhor... e quando ela precisar explicar um argumento geométrico
pra um grupo de colegas ela vai fazer num instante um desenho que vai
esclarecer tudo, e a gente sabe que nessas situações os colegas meio
que absorvem habilidades desenhatórias por osmose, aí fazem desenhos
no estilo do dela pra discutir as idéias, e, Plim!, as habilidades de
uma pessoa viraram habilidades de um grupo...

Mas voltando. Teve um grupo de questões - sobre integração por partes
- que eu dei na prova e que eu depois me senti um idiota por ter dado,
porque quase todo mundo respondeu com contas de duas ou três linhas
sem nenhuma das marcações que a gente fazia nesse tipo de conta em
sala, no quadro, pra tornar as contas mais fáceis de seguir e evitar
erros, e quase ninguém fez uma conta de uma linha, extra, que
verificaria que o resultado da integração por partes estava certo...
Nessas questões eu tenho indícios de que houve muita cola, e essas
colas - exceto em pouquíssimos casos - eu não posso "provar" nada,
porque aparentemente aquele era o único caminho "objetivo" de chegar
ao resultado, elas simplesmente "seguiram o método"...

Então os alunos escrevem pouco, e enquanto eles se mantêm teimosamente
no mundo das pessoas que escrevem pouco eles ganham, como brinde e
bônus, a possibilidade de responderem exatamente as mesmas coisas que
os outros em certas questões cuja "resposta" é só uma expressão
matemática, como se estas questões fossem quase que questões de
múltipla escolha...

Deixa eu ir por um instante pra um problema que tem me descabelado
muito, e que é ainda mais gritante em Matemática Discreta que nos
cursos de Cálculo. Vou pegar um "problema" (matemático) bem concreto
como exemplo. Como calcular 2^100-2^99? Três caminhos possíveis:

  2^{100} - 2^{99} = 1267650600228229401496703205376
                - 633825300114114700748351602688
               =  633825300114114700748351602688
               = 2^{99}

  2^{100} - 2^{99} = 2^{99}

  2^{100} - 2^{99} = 2^{1+99} - 2^{99}
               = 2^1 * 2^{99} - 2^{99}
               = 2 * 2^{99} - 1 · 2^{99}
               = (2 - 1) * 2^{99}
               = 2^{99}

Porque é que o terceiro é melhor? Aliás, em que sentidos o terceiro é
melhor?... Repare, cada "=" do terceiro caminho é uma aplicação de uma
regra aritmética básica; é super fácil checarmos cada um dos "="s e
entendermos porque ele é verdade; podemos escrever isto num dia,
esquecer completamente o que fizemos, reler na semana seguinte, e
entender tudo de novo - não só isso, como alguém que nunca viu esse
argumento pode lê-lo e entendê-lo facilmente - e ainda por cima esse
argumento pode ser "generalizado" facilmente para outros números: ele
nos mostra "porquê" 2^{100} - 2^{99} = 2^{99}, e podemos usar a mesma
idéia para mostrar que 2^{4001} - 2^{4000} = 2^{4000}; ele nos
"ensina" algo novo, e além disso (!!!) nos mostra como estruturar um
argumento...

Os alunos não entendem que eles estão aprendendo uma linguagem nova,
que eles vão usar [IT ativamente] no futuro - ela não é só pra ler
coisas que já existem, ela é também para argumentar, e pra chegar a
resultados, e pra conferir resultados - tanto os deles quanto os dos
outros... (não vou nem dizer "pra pensar" porque isso é vago).

Mas voltando: os alunos colaram, e eu fiquei puto.






Alguém tem que se dispor a ser odiado por esses alunos - e acho que
nesse momento a pessoa

Que ela estava muito arrependida, 

A nossa importância é muito mais fácil de justificar se

Uma visão utilitarista:

muito arrependida porque [IT precisa] se formar em n períodos,

talvez haja uma questão de linguagem aqui



Uma visão utilitarista da universidad

Claro que de vez em quando a gente encontra uns alunos que se
dispuseram a mudar seu estilo de vida e a reduzir suas necessidades
materiais quase que ao mínimo pra poderem passar um tempão estudando e
aí aprenderem o máximo possível... a gente adora esses alunos e faz o
possível pra protegê-los, mas eles são poucos, e é natural que seja
assim. Estes alunos estão em um extremo do espectro; eu mencionei eles
pra poder falar deste "espectro": do que seriam os alunos na outra
extremidade dele, de como posicionar esses alunos que colaram, e de
como à medida que a gente se desloca a nossa linguagem muda, a nossa
percepção muda, e mudam a nossas noções do que é concreto, do que pode
ser falado, e de que argumentos a gente pode usar... além disso mudam
a noção de quais são as "moedas de troca" - essa idéia das "várias
moedas" é uma das minhas idéias preferidas, e vou voltar a ela daqui a
pouco.

Pois bem, uma aluna A ficou muito desesperada porque foi pega colando,
e tentou argumentar de mil jeitos - e isso durante horas, num dia em
que eu estava ocupadíssimo entre correções e aplicações de provas...
foi horrível - inclusive meia hora, pelo menos, enquanto eu estava
aplicando prova de Cálculo 4 (!), mas mais sobre isto depois. Por
sinal: outros alunos tiveram atitudes que eu achei digníssimas -
admitiram a cola, entenderam porque eu tinha ficado tão puto da vida,
e a aluna B (estou introduzindo ela na história agora; ela acabou de
virar um personagem com um nome (curto), e vou falar mais sobre as
diferenças entre as alunas A e B depois), pois bem, a aluna B,
transtornada e super humilde, perguntou se teria como eu dar a chance
pros alunos que colaram pelo menos fazerem a prova final... e eu
topei.

Deixa eu só desembolar a ordem dos acontecimentos, porque no parágrafo
anterior eu contei tudo fora de ordem. Na segunda, 2009dec14, de
manhã, que era quando eu tinha que divulgar as notas da P2, eu entrei
na sala de aula espumando de ódio e fui explicando a situação e
escrevendo algumas coisas no quadro. "Os doze alunos com colas
descaradas na P2, que são: (nome, nome, nome...) vão aceitar a nota
que sobrou da P2, com as questões coladas anuladas, e vão cordialmente
se abster de fazerem a VR e a VS"... aí a aluna B pediu pra eles
poderem fazer a VS e eu deixei, e mais tarde a aluna A veio falar
comigo, aliás, teve vários blocos de conversa, sendo que o último
desse dia



Os espelhos
===========

Há várias relações possíveis entre professores e alunos - e acho que
elas costumam se formar por uma "brincadeira de espelho", na qual cada
lado copia, conscientemente ou inconscientemente, a atitude do outro.
Por exemplo: às vezes professores e alunos são "amiguinhos", e contam
piadas, sorriem, fazem brincadeiras, são camaradas uns com os outros,
se dão tapinhas nas costas, e relevam os erros dos outros - inclusive,
talvez, digamos, colas não-descaradas. Em outros casos professores e
alunos são "inimigos": os professores desconfiam sempre dos alunos,
pressionam os alunos de todos os modos possíveis, e os alunos vão
encontrar modos de trapacear sem violar as regras - porque esse
professor não merece confiança, e porque a punição por violar as
regras vai ser pesada.

Um outro tipo de relação possível acontece nas matérias mais
avançadas, onde fica mais claro que professores e alunos têm um
objetivo - difícil - em comum. Por falta de outra palavra melhor vou
chamar esta relação de "aliados".




Parasita e hospedeiro

causa danos

quando o problema é reconhecido
quando a raiva é nomeada
ela vira material de trabalho
a faxineira disse que tem lugares do banheiro que têm pilhas de papéis de cola
o país dá dinheiro pra gente pra que a gente forme boas pessoas/bons engenheiros, não engenheiros quaiquer
  (apesar de que o que pode ser medido é pouco)

Irresponsabilidade e inconseqüência
Podem causar danos impossíveis de quantificar & quase mí(s)ticos ao país e ao mundo
mas têm efeitos mais concretos também - nos irritam e nos desesperam
  insalubridade

Um aluno que cola uma questão desse jeito acha que pode fazer qualquer coisa

Tio Dion, que faz todo mundo ficar com medo, é o inimigo



Abaixo assinado: é só isso que nós temos

Num certo sentido eu estou numa posição privilegiada - como o abaixo
assinado contra mim já existe e já foi apresentado formalmente ao
departamento, consta em ata, etc, não é razoável que eu fique
paralisado com medo de uma denúncia formal - eu tenho menos a
esconder.

Uma discussão de princípios

Filtros linguísticos que fazem com que a gente escreva pouco numa
prova, pouco numa carta ao departamento, pouco no caderno


se abster de


============


Passagens
micropol


"Você é responsável pelas conseqüências - diretas e indiretas - do que
você faz"

Agora são eles próprios que escrevem seus abaixo-assinados, petições

Isto dá muito trabalho pra desenvolver - muito mais do que Cálculo 2 -
leva meses, anos, exige muito exercício - e será que é útil pro mundo
dos trabalhos adultos? Não sei, as opiniões divergem



Muitos alunos de Engenharia têm a impressão de que eles estão fazendo
um curso que é puramente técnico, e que eles só precisam se concentrar
em aprender coisas técnicas; acho que eles supõem que quando eles
termirem o curso eles vão ser contratados para trabalhos que vão
cobrar deles que eles façam coisas técnicas, e que o sistema & as
regras do sistema funcionam suficientemente bem, e que basta eles
fazerem o que se pede deles 



O único livro de direito que eu li, o do Agra Belmonte, fala bastante
de "Doutrina Jurídica"

Raiva, tristeza - a lei não é contra que isto aconteça, isto é
inevitável

O importante é que estas coisas não tenham conseqüências concretas.




%*

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