Biblioteca do Daniel

Para trás


3

  Começamos a nos comunicar em cifras. Tocávamos recados velados, simulando cinismo, como "Você sabe que você mora de pijamas no meu coração". Um dia, tentei dar um beijo nela, e ela se esquivou. Fiquei morrendo de raiva. Qual é a dela? Vai voltar atrás? Vai ficar com medo? Ah, vai tomar!

Abri o jogo. Disse que não entendia como ela podia ao mesmo tempo se mostrar interessada, e na hora do "vamos ver", mudar de idéia. Ela negou que estivesse gostando de mim, disse que éramos amigos apenas.

Não rola, garota.

Deixei de procurar ela. Cumprimentava ela, claro. Mas nas aulas, com o canto do olho, podia sentir ela olhando para mim, procurando minha cumplicidade. Mas eu não vou olhar. Eu estou me corroendo de raiva.

Depois fiquei apenas desiludido. Voltei a estudar com ela, e quando ela me mandava uma frase com duplo sentido, eu devolvia:

-- O que você quer dizer com isso? Ou dá ou desce, menina.

Talvez não usasse exatamente essas palavras, mas era duro. Ela voltava atrás. Quando insinuava que eu devia tentar de novo, eu metralhava:

-- Já tentei e me dei mal. Agora é sua vez.

E, num belo dia, ela me agarrou.

 

  Em alguns meses, em um esquema de aproximação lenta e gradual, ela me levou a um motel. Talvez o processo tenha se iniciado quando resolvi passar de um beijo na boca para o seu seio. Ela disse que ficou enjoada. Eu parei. Alguns dias depois, tentei de novo. Em algum momento, isso se tornou normal, e aí pudemos passar ao próximo passo.

Devo ter passado uns 45 minutos tentando gozar, e nada. Ela conseguiu várias vezes. Quando desisti, ela teve um piti histérico, disse que tinha nojo de mim, coisas do gênero. Queria terminar. A caminho de casa, ela perguntou com quantas eu já havia transado. "Só você", respondi. Ela teve um ataque de riso. "Você era virgem? Ah, ah ah!" Muito engraçado. "Mas você nunca me disse!"

-- Se você soubesse, tinha transado comigo?

-- Não.

-- Viu?

-- É, acho que você fez bem.

O papel de virgem arrombada não colou. O virgem ali era eu. A vítima inocente era eu, e não ela. A Mônica ficou menos tensa, deixou de se sentir piranha, e depois de um período de abstinência nós voltamos com a corda toda.

 

  E eu consegui gozar, que fique claro!

 

  Passou um ano. Viramos o casal perfeito. Vivíamos em simbiose. Ambos éramos monitores de psicologia experimental. Fazíamos as mesmas matérias. Vivíamos grudados. Mas algo que houvera nos dez minutos de felicidade, não havia no nosso namoro. E eu queria aquilo.

Na sua casa de campo, havia um cachorro. Dado que o cachorro podia fazer o que quisesse, comer do nosso prato enquanto jantávamos, babar em cima, latir, tomar nosso lugar no sofá, e outras tantas coisas, considero que ele estava no topo da hierarquia social da casa. Já eu não podia nem revelar meu namoro com a Mônica, que era sigiloso em presença da família. A mãe, que na hierarquia estava logo abaixo do cachorro, não gostava muito de mim.

Eu estava sentado no sofá, quando o cachorro, um bicho enorme, se deitou em cima de mim, obviamente para eu sair e deixar o lugar para ele. Na presença de todos, eu me levantei e sentei em cima do cachorro. Ele deu uns ganidos de desconforto, não de dor, e saiu com a auto-estima arranhada. Ninguém na sala proferiu uma palavra. Naquele momento, eu tinha me posto acima de todos os presentes. Eu havia tomado o poder da casa. O mal-estar pesou.

 

  Comecei a exigir minha legitimação como namorado. A Mônica disse que eu destruía a auto-estima dela.

 

  Eu não era um igual.

 

(continua)

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