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Pressão social

Eu passei boa parte da minha vida sem o menor interesse por manifestações e passeatas, por não entender porque e como elas funcionavam. Depois eu entendi como elas funcionavam, e nos últimos tempos, aqui mesmo no PURO, comecei a ter que lidar com situações nas quais as manifestações possíveis não funcionavam - e nem princípios morais, nem argumentos, e nem mesmo votações.

Imagine que você tem um grupo dominante que está trabalhando pelo "progresso" - na verdade por uma determinada noção de "progresso" - e que considera que não pode nem prestar atenção nos outros (pra não se distrair). Aí este grupo dominante começa a ver os outros como "baderneiros" e "subversivos", e começa a criar mecanismos para que os argumentos destes outros não sejam ouvidos - ou sejam aparentemente ouvidos, mas sejam ignorados - para que as votações contrárias à sua noção de "progresso" sejam anuladas, etc... e como as instituições formais - a Justiça, por exemplo - funcionam devagar e este grupo trata os detalhes burocráticos como sendo mais importantes e "reais" que os seres humanos, ele acaba conseguindo que a máquina burocrática funcione a seu favor. A minoria não importa porque ela passa a ser vista como feita de incompetentes que não sabem lidar com as regras do jogo.

Como prevenir que se crie uma situação destas? E, uma vez que ela esteja criada, como desfazê-la? Como dialogar em situações em que o diálogo se tornou impossível?


Estamos cercados de espaços sociais que deveriam permitir o diálogo, mas nos quais um diálogo real é difícil ou impossível - e nos sentimos incompetentes neles. Em alguns poucos destes espaços há claramente um "grupo dominante" que criou a situação, mas na maior parte deles esta situação se criou praticamente sozinha e não há culpados.

Em conversas com pessoas próximas podemos "falar mal dos outros" mais ou menos livremente; em conversas com pessoas menos próximas temos que ser mais cuidadosos, em espaços como reuniões temos que ser bem mais cuidadosos, e em textos por escrito em fóruns públicos temos que ser extremamente cuidadosos com o que dizemos - para não sermos processados por difamação e calúnia.

Somos ensinados que é anti-ético falar mal dos outros - e que nem podemos fazer isto em público - mas acredito que na situação atual, em que estamos cercados de absurdos e de impunidade e não sabemos o que fazer com isso, nós precisamos de mais conversinhas de corredor! Porque falar dos outros é, bem ou mal, um modo de discutir o que achamos certo e errado, de checar se os nossos colegas perceberam os fatos da mesma forma que a gente, e se eles se incomodam com as mesmas coisas que a gente. E quando conversamos com nossos colegas mais próximos sobre algo que achamos absurdo as nossas impressões sempre se transformam: algo que no início poderia parecer ser só uma grande irritação aos poucos vai adquirindo argumentos e se transformando em uma discussão sobre princípios... Incômodos se transformam em idéias, que passam a poder ser discutidas com colegas menos próximos; aí estas idéias se refinam ainda mais, e passam a poder ser discutidas mais publicamente - em algum momento até em espaços oficiais, como reuniões, e por escrito, em postagens para fóruns de discussão na internet, blogs, e em cartas para órgãos deliberativos da universidade.

Precisamos de mais discussões por escrito - e o modo de chegar a isto é começar com mais discussões entre pessoas próximas a nós. A maior parte das atitudes absurdas em torno de nós não podem ser facilmente atacadas porque não há "provas concretas" contra elas, ou elas são difíceis de conseguir... nós estamos costumamos a pensar que a polícia vai nos defender, e que processos podem ser abertos - mas na verdade a polícia e a justiça são só para os casos extremos, em que as partes não conseguem chegar sozinhas a acordos. Como podemos fazer a nossa parte e nos defendermos por nós mesmos dos absurdos em torno de nós? Uma resposta: pressão social. Agir de forma absurda tem que se tornar algo feio, que faz com que a pessoa agindo mal seja mal-vista. Temos que aprender a expôr publicamente, por escrito, porque certas atitudes em torno de nós são absurdas; e para sermos eficazes nisto não podemos nos limitar a legalismos - precisamos discutir princípios, e um bom modo de fazer isto é analisar as conseqüências das atitudes que nos incomodam.

A maior parte das decisões absurdas que são tomadas na universidade e que nos afetam são feitas por pessoas que se expõem muito pouco - o que há de registros por escrito do que elas pensam é ínfimo, tipicamente poucas linhas em atas de reuniões. Se recriarmos o hábito de discutir e escrever poderemos cobrar delas coerência entre o que elas dizem e o que elas fazem, e poderemos até fazer com que se torne feio elas se exporem tão pouco... e além disso nós aprenderemos a nos expressar e a nos defender melhor, e a proteger as nossas pessoas mais queridas.

Numa situação com tantos problemas e tão poucos recursos como a nossa eu acredito que não dá mais para considerarmos que o mais "ético" é nunca falarmos dos outros. Pelo contrário: temos que aprender a pensar mais sobre as conseqüências a curto, médio e longo prazo do que fazemos, e a encontrar os melhores modos de pensar e discutir tudo em torno de nós.

(Eduardo Ochs)

(PDF)

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