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Este post é sobre Black Blocs. Mas ele começa sendo sobre outras coisas.

(Postado no Facebook em 11/out/2013. Lá tem discussões nos comentários que eu ainda não consegui converter pro formato daqui.)

Numa época eu era carnívoro convicto, pelo seguinte motivo: o mundo é selvagem mesmo, umas criaturas comem as outras, a gente precisa lembrar disso e lembrar que agora a gente tá no topo da hierarquia mas daqui a pouco isso vai passar. Aí eu defendia que a gente tinha que comer carne como um ritual de conscientização, de lembrar da nosso história e blá. Ah, eu era muito contra o que eu chamava de "carnes hipócritas" - essas coisas tipo hambúrguer que dá pra comer sem lembrar de onde aquilo veio. Eu achava que a gente só devia comer carnes sangrentas e, se possível, nas quais desse pra reconhecer de que parte do bicho ela veio.

Só quando eu morei no Canadá, e que eu ia sempre num restaurante vegan que era uma comunidade anarquista, é que eu tive contato com vegetarianos/vegans que me faziam pensar "eu quero ser que nem essas pessoas quando eu crescer". Os vegetarianos do Rio eram vegetais, e eu morria de medo de experimentar cortar a carne da minha alimentação e ficar que nem eles... vai que parar de comer carne é que nem cantar Hare Krishna, né, que quem começa a cantar aquilo 5 vezes por dia daqui a pouco está totalmente convertido e virou um pateta pra sempre (obs: os Hare Krishnas que eu conhecia naquela época também eram todos vegetais!).

Eu resolvi escrever isso porque o Gustavo Gindre tem escrito a beça sobre Black Blocs - até um tempo atrás ele era muito contra - e os threads dele sobre isso no Facebook têm virado discussões enormes.


Aí uma vez eu tava com um monte de outros vegans do Rio lá naquele restaurante na 1º de março que é num sobrado e que eu esqueci o nome, e tinha umas pessoas muito punks - em vários sentidos - no grupo, e a Bianca tava lá reclamando histericamente daquelas pichações que diziam "SEJA VEGETARIANO", dizendo que ninguém ia virar vegetariano por causa daquelas pichações, e eu disse "como assim, Bianca? Eu virei!" - mas ela me ignorou, e na semana seguinte lá tava ela dizendo de novo que aquilo era um absurdo, que aquilo só atrapalhava A Causa, que ninguém ia virar vegetariano por causa daquelas pichações, e eu tava lá tentando responder de novo, e a gente sempre ficava cada um dizendo a mesma coisa, cada um brincando de água-mole-em-pedra-dura-até-que-fura.

Pra mim é óbvio que um milhão de pessoas marchando "pacificamente" pela avenida Rio Branco cantando palavras de ordem não vão mudar nada. Pro Gustavo, e pra zilhões de outras pessoas, é o oposto: os Black Blocs é que não têm noção de estratégia, e o que eles estão fazendo só atrapalha.

Agora pense em quantas vezes você já ouviu coisas como "Protestar não muda nada" e "Que merda, mais uma vez a mídia ignorou tudo que importava e só mostrou um detalhezinho como se fosse a história toda".

É difícil convencer as pessoas que dizem isso do contrário - porque essas idéias estão 90% certas.


Eu disse que este post era sobre Black Blocs. Lá vai.

Muita gente - as pessoas "céticas" - acha que o um milhão de "manifestantes pacíficos" marchando nas ruas é algo até meio patético. Na visão dos céticos a marcha dos manifestantes pacíficos é como uma procissão, e é baseada num ato de fé - no voto e na impressionabilidade dos governantes.

Hoje eu percebi que a parte midiática da ação dos Black Blocs - vandalismo simbólico contra fachadas de prédios públicos, bens de grandes corporações, etc - é, pra mim, como as pichações dizendo "seja vegetariano". As pichações do "seja vegetariano" tinham algo de incongruente... como é que pichadores (vândalos) estavam dizendo, com uma frase no imperativo, pra pessoas virarem vegetarianos (bonzinhos)? Não fazia sentido! Será que as pessoas que pichavam isso eram vegetarianas? Será que elas acreditavam no que estavam fazendo? Será que era ironia?

Essas pichações do "seja vegetariano" me fizeram pensar, e me fizeram ver que vegetarianos não eram obrigatoriamente ingênuos, e que ALGUNS deles sabiam das limitações de discursos racionais e de discursos de convencimento. Elas tinham uma estética por trás - que me remetia a arte conceitual bem feita, a rock desagradável-cabeça das décadas de 70 e 80, etc - que mostrava que pensar a sério sobre a idéia de vegetarianismo não transformava automaticamente as pessoas em vegetais.

Os black blocs mostram - pra, por exemplo, pessoas como eu, que são céticas pra macropolítica - que manifestações não são território exclusivo de sindicatos hierarquizados; que a linguagem das reivindicações não é só a das pautas e a das mesas de negociação; que a raiva que a gente pode ter e até confessar não é só a das massas já estabelecidas - a das hordas das torcidas de futebol, a das operários com punhos erguidos gritando abaixo o capitalismo, a dos policiais.

As pichações de "seja vegetariano" que eu via durante 2 segundos andando de ônibus me intrigavam. As imagens dos black blocs que aparecem durante 2 segundos na televisão também são intrigantes - porque pessoas fariam algo tão arriscado, tão contra o senso comum do que funciona? Será que eles são burros? O quanto do que eles estão fazendo é pra ser tomado literalmente?

Os black blocs entendem - se é racionalmente ou intuivamente não importa - como a mídia funciona, e estão fazendo as pessoas pensarem sobre o que é "apoiar"... O que é ser "contra" os black blocs? Você vai não votar neles nas próximas eleições? Você vai vaiá-los? Você vai dar porrada neles? Você vai denunciá-los à polícia?... E eles estão pondo em xeque a idéia - relacionada à centralidade do voto - de que a OPINIÃO de cada pessoa é muito importante: se você é só "contra" ou "a favor", isto é muito pouco, o que importa mesmo é o que você FAZ, tira a sua bunda da cadeira.

Os black blocks estão fazendo muita gente ver que as ruas não são só de pessoas-votos ou de pessoas-membras-de-uma-classe - eles estão fazendo muita gente descobrir que as manifestações estão na verdade cheias de pessoas aprendendo juntas mas cheias de dúvidas, que todo gesto é arriscado, e que muita coisa é decidida face a face em tempo real.