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Em Demanda do Prestes João

Vindo da Ásia em demanda do Prestes João, Pero da Covilhã desembarcou nas costas da Abissínia e dirigiu-se para os planaltos desérticos do interior do continente. Encontrou-se certo dia frente a um tenebroso deserto vermelho, além do qual alguém lhe segredara encontrar-se o maravilhoso país do padre-rei. Na última aldeia antes do indizível deserto o viajante inquiriu acerca do reino que buscava, ao que um homem cor de cinza e de impressionante magreza respondeu:

- Para além do deserto vermelho tudo há e nada há, ninguém lá vive e vive também o rei que tão ansiosamente buscas. O mundo, suportado por um camelo de sete cabeças de serpente e cauda de leão acaba e não acaba no deserto vermelho. O deserto é imensamente grande e cabe na tua mão, e lá estão as maiores riquezas e a mais miserável das mortes. Do outro lado estão camponeses miseráveis e reis poderosos, homens vivos e homens mortos, o dia e a noite, a chuva e a seca, está Portugal e o seu rei, estás tu e estou eu.

E Pero da Covilhã aventurou-se no deserto vermelho. Caminhou três noites com a estrela polar sempre nas suas costas. O calor era tal que mesmo os camelos precisavam de descansar à sombra das tendas durante o dia. E no terceiro dia os homens enconraram um aprazível oásis onde repousaram e comeram os pequenos frutos que cresciam nas árvores centenárias.

Retomaram o caminho. Passados outros três dias reconheceram outro oásis como o primeiro, ou o mesmo. Um pouco inquietos recomeçaram a marcha, e desta vez mantiveram-se rigorosamente na direcção do sul. No terceiro dia de caminho reconheceram sem engano as marcas da sua passagem num outro oásis, igual ou o mesmo que os dois anteriores, e localizado a nove dias de marcha para o sul da última povoação do sul da Abissínia, à entrada do deserto vermelho. Atemorizados e cansados os homens impuseram ao embaixador do rei de Portugal que retomassem para o norte e que procurassem caminho mais acessível. Caminhando para norte, duas vezes reencontraram aquele oásis perdido na imensidão de areia vermelha. No nono dia de caminho, pensando reencontrar terras mais férteis e a saída do terrível deserto enconraram-se novamente junto àquela pequena fonte de água que os inquietava, embora os restaurasse do calor, que como um líquido infernal torturava o deserto e os homens.

Pero da Covilhã decidiu buscar a saída do deserto a oeste enquanto os homens davam mostras de rebeldia devido ao medo e à superstição. Muitos dias seguiram para oeste quando enlouquecidos pela sede, prestando-se a abrir as veias para sorver o próprio sangue, os viajantes tiveram a fortuna de encontrar o mesmo e fatídico oásis, onderam beberam e se banharam.

O cristão novo que seguia com Pero da Covilhã aconselhou-o:

- Têm razão aqueles que supõem um abismo povoado de monstros onde o mundo se acaba. O nosso abismo é um labirinto circular e ilimitado, que serve de limite ao mundo, e o nosso monstro o calor impiedoso. Leva a notícia a el-rei D. João, que muito perto ficam os confins do mundo, embora a terra não tenha limites.

E acrescentou:

- A solução do enigma que tanto nos angustia é numérica, pois nada faz Deus em vão.

Durante mais dois dias o cristão novo estudou um livro secreto e fez contas com algarismos arábicos e, na terceira manhã, apresentou a solução. Indicou a Pero da Covilhã exactamente quantos dias teriam de andar e em que direcções, quantas vezes reencontrariam o oásis e quais as vezes em que teriam de passar ao largo e evitá-lo, vencendo a tentação. Assim fizeram, e depressa reencontraram as terras mais férteis do norte.



Diogo Falcão
"O Canhão e o Órgão"
Editora Vega (?)
pp.85--87